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Ryan O’Hanlon
10 de ago, 2025, 03:00
A nova temporada na Inglaterra se inicia neste domingo (10). A partir das 11h (de Brasília), o Liverpool encara o Crystal Palace na disputa do título da Supercopa da Inglaterra, em partida com transmissão ao vivo do Disney+. Se há um ano ninguém se mostrava animado com os Reds, a situação de hoje é completamente diferente.
No começo da temporada passada, a torcida estava em pânico. O clube acabava de perder seu icônico técnico, Jürgen Klopp, e vinha de uma temporada de recuperação, na qual estavam no topo da tabela em abril, mas caíram para o terceiro lugar após uma série de lesões. E, no entanto, de alguma forma, a resposta da diretoria foi: vamos voltar com tudo.
Depois de ter sido rejeitado pelo meio-campista da Real Sociedad, Martín Zubimendi, pouco antes dos contratos serem assinados, o Liverpool encerrou a janela de transferências de verão de 2024 apenas com Giorgi Mamardashvili, um goleiro que só chegaria agora, em 2025, e Federico Chiesa, um ex-talento acessível no mercado que, na melhor das hipóteses, seria reserva de Mohamed Salah.
Além da torcida, ninguém mais levou o Liverpool a sério. Este foi claramente o terceiro melhor time da liga em 2023/24, e não fizeram nada para mudar isso. Na verdade, era mais comum especialistas apostarem no Liverpool fora da Champions League do que campeão da Premier League.
Acontece que o Liverpool conquistou seu 20º título da Premier League e, em seguida, gastou mais de 300 milhões de euros (cerca de R$ 1,9 bilhão) em transferências de jogadores — até agora. Até o final da janela de transferências deste verão, esse valor pode ultrapassar 500 milhões de euros (cerca de R$ 3,2 bilhões).
Então, como eles conseguem gastar tanto dinheiro? E talvez o mais interessante seja: para um clube que construiu times campeões adquirindo jogadores, em sua maioria, subvalorizados e subestimados, por que o Liverpool está, de repente, investindo tanto em um mercado tão irracional e ineficiente?
Como o Liverpool pode gastar mais do que qualquer outro time?
Até agora, os Reds contrataram quatro jogadores: Florian Wirtz e Jeremie Frimpong, do Bayer Leverkusen, Hugo Ekitike, do Eintracht Frankfurt, e Milos Kerzez, do Bournemouth. Ao mesmo tempo, negociaram outros quatro atletas: Jarrel Quansah, Caoimhín Kelleher, Luís Díaz e Trent Alexander-Arnold.
A quem acredita em novos reforços, Alexander Isak, do Newcastle, é um nome que segue na mira do clube, que também pensa na possibilidade de adicionar mais um zagueiro, setor mais enxuto do elenco, e também um ponta esquerda.
Fazendo o caminho inverso, Darwin Núñez está próximo de ter a saída confirmada. Harvey Elliott é mais um na lista de negociáveis, enquanto os jovens Ben Doak e Stefan Bajcetic também veem com bons olhos um possível adeus.
Mas digamos apenas que os gastos e as transferências permaneçam onde estão — e, para simplificar, digamos apenas que todos os novos jogadores têm contratos de cinco anos.
Nesse caso, essas taxas de transferência seriam amortizadas em cerca de 61 milhões de euros por ano. Enquanto isso, os três jogadores que saem da base gerariam cerca de 60 milhões de euros de receita. Isso é contabilizado como lucro imediato, em oposição às taxas de transferência pagas, e assim, para o próximo ano fiscal, o nível atual de gastos com transferências seria basicamente zero. Acrescente o dinheiro pela venda de Núñez, e, pelo menos em termos contábeis, o Liverpool tem espaço para gastar muito mais dinheiro neste verão.
Isso sem nem considerar a situação financeira do clube. Nos últimos três anos, pelo menos 11 times da Premier League gastaram mais dinheiro em taxas de transferência do que o Liverpool: Chelsea, Manchester City, Manchester United, Tottenham, Arsenal, West Ham, Brighton, Aston Villa, Nottingham Forest, Newcastle e Wolverhampton. O Chelsea, em particular, gastou 1 bilhão de euros a mais que o Liverpool em transferências nos últimos três anos.
Então, o próprio clube tem dinheiro para gastar e também construiu uma grande proteção contra os regulamentos de lucro e sustentabilidade (PSR) da Premier League, que essencialmente permitem que os clubes percam 120 milhões de euros em um período contínuo de três anos.
Surpreendentemente, em uma época em que a maioria dos clubes de futebol não lucra, espera-se que o Liverpool encerre o ano fiscal em que conquistou a Premier League no azul. Eles lucraram no mercado de transferências, e 2024/25 foi a primeira temporada completa do clube no recém-expandido Anfield, que produziu uma média de público de mais de 60 mil pessoas pela primeira vez na história. Há também milhões em bônus por vencer a liga e outros por retornar à Liga dos Campeões.
Além disso, o time acaba de assinar um novo contrato de patrocínio com a Adidas a partir desta temporada, o que deve gerar ainda mais receita e margem de manobra para gastos. Como disse recentemente o CEO do clube, Billy Hogan, este verão “levou anos para ser construído”.
Por que o Liverpool está gastando mais dinheiro do que os outros?
Depois da temporada 2021/22, o Liverpool tinha conquistado Copa da Liga Inglesa e Copa da Inglaterra e ficou com o vice na Premier League e na Champions League. Mas isso ocorreu com uma média de idade de 27,7 anos, quarta mais alta da elite inglesa – o que também era um sinal de necessidade de renovação.
Os jogadores geralmente atingem o auge entre 24 e 28 anos, o que significava que o Liverpool tinha um time de jogadores que estavam jogando no seu melhor ao mesmo tempo. Mas isso também significava que eles tinham um time de jogadores que estavam prestes a piorar ao mesmo tempo. Quando você era tão bom quanto o Liverpool em 2021/22, pode ser muito difícil aceitar que talvez seja necessário reformular significativamente o seu elenco. Mas é por isso que os times têm diretorias; essas pessoas podem monitorar a saúde do elenco a longo prazo, enquanto o técnico se concentra em maximizar quem está no elenco.
Acontece que, no final daquele ano, o chefe da diretoria, Michael Edwards, havia se demitido. Os proprietários, o Fenway Sports Group, haviam se concentrado na venda do clube, em vez de na sua administração. E então Julian Ward, que substituiu Edwards, anunciou repentinamente que deixaria o time no final da temporada 2022/23. Assim, do verão de 2022 até a primavera de 2024, quando Edwards retornou como CEO de futebol da FSG, não havia uma figura consistente supervisionando a saúde do elenco a longo prazo.
Em 2023, Fabinho, Jordan Henderson e Naby Keita deram lugar a Alexis Mac Allister, Dominik Szoboszlai, Ryan Gravenberch e Wataru Endo, demonstrando a renovação do meio-campo, ponto fraco do time na temporada anterior.
Em vez de tentar mudar o elenco logo no primeiro ano de volta ao comando, o grupo de Edward aparentemente se concentrou na questão maior: os três melhores jogadores do time estavam entrando nas últimas temporadas de seus contratos: Salah, Virgil van Dijk e Alexander-Arnold. É difícil fazer grandes investimentos no elenco quando você nem sabe quais das suas estrelas estarão no time daqui a um ano.
No entanto, a contratação de Mamardashvili foi um reconhecimento de que as coisas precisavam começar a mudar. Alisson Becker vinha sofrendo com lesões ao chegar aos 30 anos, e o goleiro do Valencia, de 22 anos, vinha de uma das melhores temporadas que já vimos de um jogador da sua idade. Isso não ajudaria o Liverpool imediatamente, mas eles agora tinham seu plano de sucessão em andamento.
E a janela de transferências atual era mais um passo na renovação do elenco. Se o meio-campo era o ponto fraco do time dois anos atrás, a lateral era a área a ser aprimorada neste mercado. Andy Robertson e Alexander-Arnold são os dois melhores laterais ofensivos da história da Premier League, mas um deles tem 31 anos e teve dificuldades frequentes na temporada passada, enquanto o outro decidiu que queria receber mais de um time diferente, de outro país. Kerkez tem 21 anos, Frimpong tem 24 e junto com Conor Bradley, de 22 anos, é neles que o clube aposta para serem os laterais titulares do próximo grande time do Liverpool.
Considerando o gasto recorde com Wirtz, acho que a maneira correta de encará-lo é basicamente como um substituto de curto prazo do TAA (criatividade) e um substituto de longo prazo de Salah: um astro que faz tudo em torno do qual você pode construir seu ataque.
Ele já é tão bom — e potencialmente tão bom no futuro — que, se você puder contratá-lo, contrate-o. E foi isso que aparentemente aconteceu. O Liverpool não contratou Wirtz porque ele jogava na posição certa para o elenco deles; eles o contrataram porque o Liverpool raramente consegue contratar jogadores de 22 anos que já são superestrelas. Esses jogadores, Jude Bellingham, Kylian Mbappé e Erling Haaland, geralmente vão para o Real Madrid, Paris Saint-Germain ou Manchester City.
O alemão ainda é polivalente, podendo jogar tanto no meio quanto no ataque – setor que também mereceu atenção no mercado. Luís Díaz, Darwin Núñez e Cody Gakpo foram reforços que já seriam peças de uma renovação no setor. A saída dos dois primeiros, porém, já indica que o clube considera que era necessário uma nova remodelação no setor – além de também ter sofrido a trágica perda de Diogo Jota.
O trio que deixou o clube ocupou, durante a maior parte da temporada, o comando do ataque. Isso ajuda a explicar a aquisição de Ekitike, que atuava principalmente como centroavante na Alemanha – e talvez ajude a entender a busca contínua por Isak.
O último setor que ainda resta na renovação do elenco é a defesa. Com a saída de Quansah, o único zagueiro central não improvisado atrás de Van Dijk e Ibrahima Konaté é Joe Gomez, que está quase sempre lesionado (comoa gora). Van Dijk terá 34 anos no início da temporada, e Konaté tem seu próprio histórico de lesões. Isso é brincar com fogo.
A falta de gastos recentes do Liverpool, somada ao seu sucesso dentro e fora de campo, deixou o time com um elenco envelhecido e muito espaço para gastar bastante. Então, a resposta simples para o porquê de o Liverpool estar gastando tanto? Porque pode e porque precisa.