Dos cerca 1,6 mil jornalistas profissionais registrados na Faixa de Gaza, 252 foram mortos em ataques israelenses desde o início da ofensiva no enclave palestino, há cerca de dois anos. Os números foram atualizados nesta quinta-feira (25) pelo Sindicato dos Jornalistas da Palestina, em uma reunião online organizada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em parceria com a Embaixada da Palestina no Brasil. Trata-se do maior massacre de profissionais de imprensa em qualquer conflito armado da história mundial, segundo o sindicato.
Em um dos ataques mais graves, no fim de agosto, militares de Israel bombardearam o Hospital Nasser, em Gaza, deixando 15 mortos, incluindo quatro jornalistas, um deles da agência Reuters. Semanas antes, uma explosão causada por um drone israelense matou cinco jornalistas da TV Al Jazeera, um deles era o conhecido repórter Anas Al-Sharif.
“A ocupação destruiu todas as instituições de imprensa presentes na Faixa de Gaza, sendo que tínhamos mais de 120 veículos de mídia, todos atuantes. Os 252 jornalistas assassinados são um número superior ao de jornalistas assassinados durante as duas Guerras Mundiais. O sindicato notificou a prisão de mais de 200 jornalistas e o ferimento de cerca de 400 profissionais”, aponta Naser Abu Baker, presidente do sindicato palestino dos jornalistas.
A conversa com os repórteres brasileiros, a convite da Fenaj e com participação da Agência Brasil, aconteceu com grupos de jornalistas palestinos instalados em tendas em dois centros improvisados, um em Khan Yunis, no sul de Gaza, e outro na Cidade de Gaza, ao norte, que já foi praticamente toda destruída pelos bombardeios das Forças de Defesa de Israel (FDI).
“Eu falo com vocês com o que sobrou da Cidade de Gaza, depois da agressão das forças de ocupação, que destruíram cerca de 95% da cidade. Nosso centro de mídia fica a cerca de 500 metros dos tanques israelenses, e aviões ficam voando de forma incessante para que a gente não possa ser ouvido por vocês”, relata Samir Khalifa.
O Sindicato dos Jornalistas da Palestina aponta ainda que 647 imóveis residenciais de profissionais de imprensa foram destruídos pela invasão das forças militares de Israel.
“Todos os jornalistas em Gaza foram expulsos de suas casas e atualmente vivem em tendas, juntamente com suas famílias, também deslocadas”, denuncia Tahseen Al-Atsall, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas Palestinos em Gaza.
Jornalistas mortos em ataque ao Hospital Nasser, em Gaza, no fim de agosto – Reuters/Aziz Taher/Proibida reprodução
A Agência Brasil pediu posicionamento à Embaixada de Israel sobre a violência contra jornalistas palestinos e aguarda retorno para acréscimo nesta reportagem.
A Faixa de Gaza é um território palestino que tem sido alvo de intensos bombardeios e ataques por terra do Exército de Israel desde um atentado do grupo islâmico Hamas a vilas israelenses, em outubro de 2023, que deixou cerca de 1,2 mil mortos e fez 220 reféns. O Hamas, que governa Gaza, sustenta que o ataque foi uma resposta ao cerco de mais de 17 anos imposto ao enclave e também à ocupação dos territórios palestinos por Israel.
Os ataques israelenses contra a Faixa de Gaza, desde então, já fizeram mais de 60 mil vítimas, além de destruírem hospitais, escolas e todo tipo de infraestrutura que presta serviços à população. Um bloqueio às fronteiras do território também dificulta a entrada de alimentos e medicamentos, agravando a crise humanitária. Segundo Israel, o objetivo é resgatar os reféns que ainda estão com o Hamas e eliminar o grupo completamente.
Entrada proibida
A entidade afirma que, desde o início da ocupação israelense, em outubro de 2023, cerca de 3,4 mil jornalistas foram proibidos de entrar no enclave, sendo 820 deles jornalistas dos Estados Unidos, o principal aliado de Israel.
“Isso só prova qual era a intenção do Estado de ocupação desde o início da guerra, que é proibir que os jornalistas fizessem a cobertura desses crimes de lesa-humanidade. Isso viola a Resolução 2222 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que prevê a proteção de jornalistas em área de conflito e que trata de forma clara o direito de acesso de jornalistas nessas áreas, assim como prevê a punição para quem alveja ou tenha como alvo jornalistas em zona de conflito”, acrescenta Al-Atsall. Ele e outros colegas dividiam uma tenda em Khan Yunis, no sul de Gaza, enquanto forneciam relatos aos jornalistas brasileiros.
A repórter Ghaida Mohammad, da TV Palestina, relatou a situação precária vivida pelos jornalistas em Gaza, incluindo mulheres, privadas do acesso a equipamentos básicos de segurança.
“A maioria das jornalistas mulheres são mães. Eu tenho filho, que nasceu durante a cobertura desta guerra. Como mães, não temos sequer a proteção de fazermos o nosso trabalho no campo. Também estamos com necessidade de produtos essenciais, como leite em pó, produto para higiene infantil, entre outros”, observou.
Repórter Ghaida Mohammad, da TV Palestina, denuncia condições precárias de profissionais e da população em Gaza. Zoom/Reprodução
“O povo palestino é dono de uma causa justa, os jornalistas palestinos fazem parte dessa sociedade, mantém a cobertura dos fatos e da verdade do que vem acontecendo em Gaza. Pedimos a todas as instituições de imprensa que peçam cessar-fogo imediato dessa guerra de limpeza étnica”, apelou Ola Kassab.
Correspondente do canal ART na Cidade de Gaza, Mustafa al Bayed chegou a relatar intenso bombardeio enquanto conversava com os colegas brasileiros.
“Estamos falando com vocês nesse momento sob intenso bombardeio. Pode ser a última vez. Apesar de tudo isso, estamos aqui resistentes, nos mantendo em nossas posições, de levar até a vocês a voz da criança palestina, do cidadão palestino, o que eles enfrentam em campo e o que nós estamos enfrentando para que o mundo saiba exatamente o que está acontecendo”, afirmou.
Jornalistas trabalham em tenda improvisada durante entrevisa em Kham Yunis, no sul da Faixa de Gaza. Zoom/Reprodução
Situação na Cisjordânia
Fora da Faixa de Gaza, a violência também se estende contra jornalistas palestinos, de acordo com o sindicato da categoria. Foram notificados mais de 2 mil agressões contra profissionais e instituições de imprensa a Cisjordânia e em Jerusalém.
“A ocupação mantém mais de 1 mil barreiras militares na Cisjordância, que fazem com que não haja ligação possível entre as várias áreas da Cisjordânia. A cada cinco quilômetros, temos uma barreira militar de Israel na Cisjordânia, com porteiras de ferro que impedem o livre trânsito a entrada nas cidades. Há cerca de trÇes dias, Netanyahu tomou a decisão de fechar as fronteiras entre Jordânia e Cisjordânia, que era o único ponto de fuga da população da Cisjordânia para o mundo exterior, ou seja, transformou 4 milhões de habitantes da Cisjordânia e de Jerusalém em prisioneiros numa grande prisão cercada”, afirma Naser Abu Baker, presidente do Sindicato de Jornalistas da Palestina.
Solidariedade internacional
A presidenta da Fenaj, Samira de Castro, afirmou que a situação dos jornalistas na Palestina, bem como da população civil em geral, é uma questão humanitária gravíssima e que as entidades de defesa da imprensa devem articular uma ação global.
“Sugerimos à Federação Internacional dos Jornalistas, a FIJ, uma paralisação no mundo inteiro em solidariedade aos colegas em Gaza e na Palestina. E também queremos fortalecer a captação para o fundo de segurança da FIJ destinado aos colegas palestinos”, destacou.
O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, avaliou a reunião entre jornalistas brasileiros e palestinos como um momento histórico e defendeu a livre circulação de informações sobre o que se passa em Gaza por parte das vítimas do guerra.