O possível corte de juros pelo Federal Reserve ganhou força como o tema central dos mercados globais, em meio ao fim da temporada de resultados corporativos nos Estados Unidos. “Estamos vivendo agora o momento de fechamento da temporada de resultados lá fora e o grande tema do momento é, sem dúvida, a aproximação do corte de juros nos EUA”, afirmou Clara Sadré, analista da XP.
Apesar da perspectiva de alívio da curva americana, o Brasil segue em terreno desafiador, avalia Fabiano Sintra, também da XP. “Mesmo com a provável ajuda da curva de juros americana, o quadro doméstico no Brasil ainda é desafiador, com questões de atividade econômica e crédito privado que merecem atenção”, disse o analista, durante o podcast Outliers InfoMoney.
Esses pontos serviram de pano de fundo para a análise de José Monforte e Jean-Pierre Cotegio, sócios da gestora Vinland Capital. Monforte é economista formado pelo Winsperm e pela Universidade de Chicago, com MBA em Finanças pela USP, enquanto Cotegio tem mais de 25 anos de experiência no mercado de crédito e administração de empresas pela FGV.
Cortes de juros nos EUA e impactos globais
Para eles, os movimentos recentes do Federal Reserve (Fed) indicam cortes de juros mais robustos do que o inicialmente esperado pelo mercado.
“Os Estados Unidos vêm com juros relativamente elevados há algum tempo. Com a inflação cedendo e o mercado de trabalho enfraquecendo, vemos espaço para cortes adicionais nos próximos meses”
Atualmente, o mercado precifica um corte de 25 pontos-base na reunião de setembro, com projeção total de 72 pontos-base até o final do ano. “Mais do que a quantidade de cortes, o importante é o nível terminal dos juros, que deve ficar entre 2,5% e 3%, próximo do neutro pré-pandemia”, acrescentou o gestor da Vinland.
Segundo Monforte, um corte contínuo nos EUA tende a enfraquecer o dólar e criar oportunidades para outros países, incluindo o Brasil e o México, ajustarem suas políticas monetárias.
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Ele também destacou que, apesar de tensões geopolíticas e tarifas comerciais, “as expectativas de inflação estão bem ancoradas, o que sinaliza que o Fed trata o cenário como transitório.”
Cotegio analisou o risco fiscal norte-americano:
“O aumento da dívida e o custo de emissão de títulos são reais, mas, no curto prazo, não parecem disruptivos para o mercado. O impacto maior é de longo prazo e orienta nossa alocação de risco e investimentos”
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Cenário argentino e lições para o Brasil
Além dos EUA, a Vinland avaliou a situação na Argentina após a derrota do governo de Milei em Buenos Aires.
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“O que vinha sendo feito na Argentina foi um experimento muito bem executado de consolidação fiscal e convergência de inflação. Contudo, para que funcione, é necessário reconhecimento popular, que não ocorreu na última eleição provincial”, disse Monforte.
Ele destacou que a situação argentina deve ser observada à luz das próximas eleições presidenciais em outubro, podendo indicar se haverá continuidade ou ajuste no plano de consolidação fiscal. “Se houver recuperação moderada, ainda dá uma sobrevida para o plano do Milei. Mas o custo político é real”, afirmou.
Sobre o Brasil, a Vinland analisou os impactos do cenário eleitoral e fiscal sobre a política de juros. “Os juros estão no nível adequado e vão permitir cortes no final do ano, provavelmente entre dezembro e janeiro, reduzindo a Selic para cerca de 11,5%”, explicou Monforte.
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Ele acrescentou que o ritmo dependerá da evolução da inflação e da credibilidade fiscal do governo.
Cotegio reforçou:
“Enquanto aguardamos sinais do Fed e do governo brasileiro, o patamar de juros continua alto, com custos de capital punitivos para muitas empresas, afetando decisões de investimento e crescimento econômico”
Crédito privado e o efeito da política monetária
O mercado de crédito privado no Brasil também entrou na pauta do podcast. Cotegio explicou que a alta de juros impacta diretamente o comportamento dos investidores.
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“Muita demanda vai para renda fixa e, consequentemente, para operações de crédito. Empresas de alta qualidade, principalmente listadas, ainda sofrem, mas o efeito sobre fundos de crédito high grade tem sido administrável”, disse.
Ele destacou que setores mais expostos a financiamento, como construção civil e varejo, já estão sentindo os efeitos da política monetária restritiva. “É natural que vejamos desaceleração da economia, mas não esperamos PIBs negativos extremos”, acrescentou Cotegio.
Apesar das dificuldades, Cotegio destacou a situação paradoxal do mercado:
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“Temos fundamentos exigindo cautela, mas também demanda por renda fixa. É uma situação contraditória entre risco e preço, com spreads negativos ocorrendo em certos segmentos, como fundos de infraestrutura”
Sobre a alocação das carteiras, Cotegio concluiu: “O retorno está mais dado que o risco, então precisamos equilibrar cuidadosamente nossas decisões, considerando tanto oportunidades quanto as limitações do cenário econômico e de crédito atual.”