O Brasil, que se apresenta como defensor dos países em desenvolvimento, convidou autoridades de todo o mundo para a floresta amazônica a fim de mostrar soluções para a crise climática global.
Agora, a oito semanas do início das negociações, o país enfrenta um impasse diplomático.
O maior poluidor da história, os Estados Unidos, deve ficar de fora. Os bilhões de dólares necessários para que países pobres enfrentem catástrofes climáticas não saíram do papel. Ativistas acusam o Brasil de hipocrisia por autorizar mais exploração de petróleo.
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E cresce a pressão por uma revisão do sistema de diplomacia climática estabelecido pelo Acordo de Paris, há dez anos, diante da lentidão dos países mais emissores em reduzir gases de efeito estufa para evitar danos irreversíveis ao planeta.
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No meio disso, o Brasil não conseguiu resolver um problema básico que ameaça as negociações: a falta de hospedagem acessível em Belém, cidade-sede da conferência. Dois terços dos países ainda não reservaram quartos.
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“Não conseguimos discutir questões vitais para nossa sobrevivência se nem conseguimos chegar lá”, disse Ilana Seid, diplomata de Palau, país insular do Pacífico ameaçado pela elevação do nível do mar. “É difícil ver como poderemos nos representar plenamente.”
Segundo o líder de um grupo de diplomatas africanos, autoridades brasileiras sugeriram que alguns delegados compartilhassem quartos. A proposta foi rejeitada.
O diplomata brasileiro responsável pelas negociações, André Corrêa do Lago, chamou o episódio de “mal-entendido” e afirmou que o governo colocou à disposição 53 mil quartos, mais do que os 50 mil participantes esperados, incluindo opções entre US$ 100 e US$ 200 para países mais pobres e ilhas como Palau.
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“Já reservamos os quartos para garantir que todos os países estejam em Belém a preços acessíveis”, disse em entrevista por telefone na segunda-feira.
A disputa por hospedagem reforça o déficit de confiança que ronda a diplomacia climática internacional num momento em que desastres atingem com mais força os países pobres. Ela ocorre enquanto os Estados Unidos não apenas abandonaram o Acordo de Paris, como ampliam a produção de petróleo e gás.
“As circunstâncias não são ideais”, afirmou Corrêa do Lago. “O contexto geopolítico é muito difícil.”
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Em carta enviada a delegados em meados de agosto, ele reconheceu dificuldades logísticas e pediu “criatividade na busca de novas soluções para novos desafios”.
O governo informou ter assegurado quartos em hotéis, dois navios de cruzeiro e “imóveis privados regulados”, além de estudar a adaptação de escolas como alojamentos. Na sexta-feira, Corrêa do Lago disse que o Brasil pediu a bancos e entidades filantrópicas apoio para ajudar delegações com custos, que dispararam com a alta demanda.
Em Belém, hospedagens antes baratas chegaram a custar US$ 600 por noite. Há subsídios da ONU para um número limitado de delegados, e o Brasil disse que reservou opções a partir de US$ 100 para países mais pobres, com limite de 15 quartos por delegação. O governo também anunciou uma força-tarefa para coibir “práticas abusivas de hospedagem”.
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As negociações climáticas anuais seguem como o principal fórum global sobre o tema, especialmente para países pequenos ou pobres, que raramente têm voz igual em instâncias diplomáticas.
“É preciso um espaço para que todos os países e, idealmente, todos os atores envolvidos, que são muitos, possam se reunir e buscar soluções”, disse Jennifer Morgan, ex-enviada climática da Alemanha e ex-presidente do Greenpeace Internacional. “Mas elas poderiam ser mais eficientes.”
Há, de fato, apelos crescentes para tornar a agenda mais focada.
O número de participantes cresceu ao longo dos anos, variando de 40 mil a mais de 80 mil, atraindo tanto executivos de petroleiras quanto ativistas ambientais.
O objetivo é chegar a consensos para reduzir emissões e conter o aquecimento global, de preferência limitando a alta da temperatura a 1,5 °C em relação ao período pré-industrial. Mas qualquer decisão exige unanimidade, e países produtores de petróleo costumam bloquear propostas mais ambiciosas.
Além disso, mesmo que todas as promessas feitas até agora fossem cumpridas, ainda seriam insuficientes para evitar aumento catastrófico de temperatura.
Belém, próxima ao litoral atlântico, se destacou no período colonial pelo comércio de açúcar e, mais tarde, pelo ciclo da borracha. Hoje, com pouco mais de 1 milhão de habitantes, é capital do Pará, um dos estados mais pobres do país. A cidade recebe poucos voos internacionais e não tem resorts ou centros de convenções de grande porte.
Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, Belém foi escolhida por simbolizar a importância da floresta amazônica na absorção de carbono da atmosfera. O Brasil reduziu o desmatamento sob sua gestão e busca atrair investimentos para um fundo de preservação.
Ainda assim, a dois meses da conferência, muitas delegações continuam tentando garantir hospedagem acessível. A dificuldade ameaça todo o encontro. Em vez de preparar suas posições, negociadores ligam para corretores em busca de apartamentos ou barcos com leitos. “Tudo tem sido astronomicamente caro”, disse Seid.
c.2025 The New York Times Company