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Luís Araújo
27 de jun, 2025, 01:00
Apaixonado, intenso, completamente entregue para o que está acontecendo. Essas características marcaram a trajetória de Joakim Noah como jogador da NBA. Por mais que a vida seja diferente hoje em dia, como aposentado, ele continua a desfrutá-la com os mesmos traços que demonstrava dentro das quadras.
Isso ficou muito claro logo nos primeiros minutos de interação com Noah, de 40 anos, durante a passagem do ex-pivô pela redação da ESPN para a gravação do programa Bola da Vez, disponível neste sábado (28), a partir de 22h (de Brasília) no Disney+.
O brilho nos olhos continua lá. Se antes aparecia na disputa por um rebote, no mergulho por uma bola prestes a se perder, no desafio de impedir cestas dos adversários, em um passe certeiro para um companheiro bem posicionado ou em qualquer outra coisa que poderia ajudar seu time a vencer um jogo de basquete, agora esse brilho fica nítido em outras situações.
Por exemplo, quando ele sacou o celular do bolso para mostrar fotos do filho, de seis meses de idade. Ou então no relato sobre as maravilhas naturais de Trancoso, na Bahia, onde casou-se com a modelo brasileira Laís Ribeiro. Na incredulidade ao ficar sabendo que nenhum outro brasileiro que ouvia suas histórias havia visitado a cidade. Ou mesmo na satisfação em deliciar-se com pães de queijo no café da manhã que foi servido antes de a entrevista começar.
Tudo o que ele faz ou fala exala paixão. A intensidade segue em seu DNA, do mesmo jeito que o levou a construir uma sólida carreira na NBA. Mas o distanciamento das quadras o permitiu aceitar bem o que não aconteceu exatamente como desejava enquanto ainda era atleta. Se é verdade que um tão sonhado título nunca se concretizou, por outro lado ele olha com muito carinho e reconhece como um privilégio uma outra conquista: a relação de idolatria construída com a torcida do Chicago Bulls. Fruto de uma identificação que muitos fãs da equipe sentiram por aquele sujeito que se recusava a perder sem entregar tudo o que tinha de energia dentro de si.
Noah, claro, falou no Bola da Vez sobre os anos especiais em Chicago e a amizade que carrega até hoje com jogadores daquele time. Contou também que ficou um tempo sem ver NBA depois que se aposentou, mas que logo voltou e hoje acompanha normalmente. Fez, inclusive, elogios a Oklahoma City Thunder e Indiana Pacers, finalistas da última temporada. E em nenhum momento transpareceu qualquer tipo de saudosismo ou ressentimento, como se estivesse inferindo que as coisas em seu tempo eram muito melhores, mais difíceis, algo que não chega a ser incomum em se tratando de ex-jogadores. Longe disso.
Um outro assunto que surgiu durante o programa foi a rivalidade com LeBron James. Noah falou dele com muito respeito, ao ponto de classificar como uma “honra” o fato de ter tido a oportunidade de jogar contra um dos maiores de todos os tempos. Tratou de não dar a esses embates um peso maior do que aquilo realmente era: apenas duas pessoas extremamente competitivas se enfrentando em uma quadra com suas respectivas equipes — e admitindo o quanto era difícil ver LeBron sempre levando a melhor nos playoffs.
Depois que a gravação terminou, Noah aceitou conversar por mais alguns minutos com o ESPN.com.br. E aí, na esteira do que havia dito sobre LeBron, veio a curiosidade de saber sobre uma outra grande rivalidade que teve durante a carreira: com Kevin Garnett. Não só por ter sido bem mais intensa e por ter tido até um nível elevado de hostilidade de parte a parte, mas especialmente porque do outro lado estava alguém em quem ele se espelhava antes de virar profissional.
“Garnett era um herói para mim na adolescência, mas a relação virou completamente diferente depois que começamos a competir um contra o outro, e por muitas vezes isso não foi bonito”, relembrou Noah.
“Mas o que me deixa orgulhoso é o fato de termos tido a oportunidade de falar sobre isso depois que nossas carreiras terminaram. Foi especial poder colocar um ponto final em um episódio como esse com alguém que admirava tanto enquanto garoto. Não tive a chance de me conectar com ele na NBA por causa das cores que defendíamos e pela vontade que tínhamos de vencer. Mas fizemos grandes jogos, acho que os fãs gostaram bastante dessas partidas. Eu fico muito feliz por termos resolvido isso depois que paramos de jogar.”
Apesar de toda a energia e a intensidade serem traços que apareciam mais aos olhos do público, Noah não teria sido duas vezes convocado para o All-Star Game, vencido o prêmio de melhor defensor da NBA em 2014 e sido, por tanto tempo, um elemento fundamental de sistemas defensivos fortíssimos se não fosse também muito inteligente, observador e estudioso.
“Ser um bom jogador de defesa não é só questão de energia, é também o jeito que você analisa os adversários e se comunica com os colegas de time”, observou. “Porque quando um adversário faz um corta-luz, você precisa gritar para seu companheiro antes disso acontecer para avisá-lo. Assim, ele consegue se colocar em boa posição para defender esse tipo de jogada. Se você é um pivô, você precisa ser a voz da defesa porque acaba ficando em um lugar da quadra em que observa tudo o que está acontecendo. Essa comunicação com os companheiros e entender o que os adversários estavam tentando fazer taticamente sempre foram pontos fortes do meu jogo.”
Um outro aspecto de Noah que talvez fique em segundo plano, mas que também sempre fez parte de sua personalidade, é a preocupação social. A “Noah’s Arc Foundation”, projeto que promove a arte e a prática de esportes para crianças carentes em Chicago, foi fundada junto com a mãe ainda no início de carreira na NBA.
Além disso, ele nunca escondeu o quanto admirava atletas que usavam suas plataformas para causar impactos que fossem além do esporte. Nesse sentido, não chega a ser uma surpresa que tenha apontado Dikembe Mutombo, ex-pivô que morreu em 2024, como sua maior inspiração no basquete. Muito mais por tudo o que realizou fora das quadras do que por qualquer feito dentro delas.
Diante disso, tornou-se inevitável perguntar a Noah como todo esse olhar social o faz enxergar o mundo de hoje e se consegue identificar essa preocupação social em esportistas da atualidade.
“Os trabalhos sociais continuam sendo algo muito importante para mim. Mas eu tomo muito cuidado com o que digo porque as coisas podem ser tiradas de contexto rapidamente. Estou bastante ciente disso, tenho uma família para criar”, ponderou.
“É duro para essa geração. É difícil ser ativista e se expressar sobre algumas questões ao mesmo tempo em que se faz parte deste mundo corporativo. Porque o oposto de ativismo é corporativismo. São duas coisas completamente opostas. Acho que isso também é importante para as novas gerações saberem. Você fala algo achando que está tudo bem porque está no Brasil e as declarações não vão sair em lugar nenhum, mais ou menos como era há 20 anos, só que isso não é mais assim. Hoje você fala e logo isso aparece em todos os lugares do mundo. É uma questão profunda.”