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Bruno Andrade
29 de set, 2025, 09:22
Pepê terminou a temporada 2024/25 em baixa no Porto. Teve problemas internos com o antigo técnico, foi alvo de processo disciplinar e chegou até a ser colocado na lista de jogadores negociáveis. O adeus era iminente.
Nada como viajar de férias para o Brasil e ser abraçado por familiares e amigos de infância para rapidamente reencontrar o “sorriso de orelha a orelha”. Foi o primeiro – e essencial – passo para tamanha reviravolta, isso logo ao pisar novamente em Portugal.
Ainda durante a pré-temporada 2025/26, enquanto aguardava por ofertas para sair, o ex-atacante do Grêmio acabou por conquistar a confiança do novo treinador, o italiano Francesco Farioli, e quase como num piscar de olhos “voltou a ser o Pepê de sempre”.
Acredita, aliás, que vive o melhor começo de temporada na carreira. É bem verdade que fez apenas cinco jogos oficiais, dois gols e uma assistência. E daí? A crença foi compartilhada com o próprio clube português, que o presenteou no fim de agosto com um novo contrato válido até 2028.
Do centro de treinamento até à sala de imprensa, onde estamos agora, você veio pensando nas potenciais perguntas da entrevista? Imaginou os assuntos? Projetou algumas respostas?
“[Risos] Olha, eu já imaginava algumas coisas. A gente que vive nesse mundo, a gente sabe geralmente como vai ser uma entrevista, a gente fica pensando naquilo que vai ser perguntado e na maneira como vai responder. Acho que de lá para cá, já meio que fiquei tentando, sim, imaginar as perguntas.”
Há algum tema que você tem a certeza de que vou abordar?
“Eu acho que sobre o meu começo de temporada. Os números mostram que é a minha melhor temporada de sempre, desde que estou aqui no Porto. Vai perguntar sobre isso…”
Está à espera de alguma pergunta sobre algo mais negativo? Algo que talvez possa incomodar…
“Talvez sobre a temporada passada. Como estive muito abaixo, acho que isso é uma coisa que também já imaginava como assunto aqui. Sobre não ter feito uma boa temporada passada, algo muito fora daquilo que é o meu habitual.”
Dito isso, então, dá para concluir que você tem uma boa autocrítica, no mínimo uma autoavaliação…
“Tenho uma autocrítica muito forte. As pessoas mais próximas, os meus amigos falam, inclusive, que às vezes pego muito pesado comigo mesmo. Mas eu sou assim mesmo, sou um cara que tem uma autocrítica muito boa. Sei diferenciar muito bem as coisas.”
Em cinco temporadas, você já viveu de tudo um pouco no Porto. Muitos altos e baixos. Títulos e decepções. Já esteve para sair algumas vezes e ficou. Foi visto como “dispensável” e deu a volta por cima. O que te “prende” aqui?
“É um clube espetacular para mim. Desde que eu cheguei, o clube me abraçou de uma forma incrível. A cidade, os torcedores, tudo. O clube em particular tem me dado um suporte que é totalmente incrível, sabe? Me faz querer estar aqui, me faz querer dar o meu melhor para poder retribuir todo esse carinho, tudo aquilo que eles fizeram e fazem por mim, seja dentro ou fora de campo. É inexplicável.”
Dá para dizer, sei lá, que há algo “sobrenatural” que te liga ao Porto?
“Sem dúvida. Repito: é um clube que abraça todos. Os torcedores também têm um carinho enorme por mim, e também por todos os outros jogadores que chegam. E a gente sente isso, a gente sente esse abraço geral os lados, de toda a cidade. É uma sensação que faz você querer estar aqui, querer mostrar que você merece fazer parte disso tudo.”
Você teve uma temporada passada (2024/2025) muito abaixo, perdeu espaço no time e chegou mesmo a ser visto como negociável. No fim, você permaneceu, recuperou espaço, voltou a ser importante e até renovou contrato (até junho de 2028). Como explica tamanha reviravolta?
“Muitas coisas aconteceram na temporada passada, coisas que acabaram influenciando para que não pudesse ter um bom ano. Procurei limpar a minha cabeça para voltar a ser o Pepê de sempre: alegre, espontâneo, brincalhão e que ama jogar futebol. Acho que isso tudo foi fundamental para que pudesse retomar e fazer aquilo que tanto amo, que é jogar futebol com muita alegria. Está tudo refletindo agora dentro de campo, e os números mostram isso.”
O que estava te prejudicando? E o que foi preciso fazer para ultrapassar tudo isso?
“Eu estava um pouco mais fechado na temporada passada, não sei explicar ao certo os motivos, mas sentia que as coisas não estavam correndo muito bem para mim. Não fiz uma boa pré-temporada, os primeiros jogos também não me ajudaram. Isso tudo, então, afetou a minha cabeça. Fiquei mais fechado, passei a não ser eu mesmo. No geral, estou sempre bem disposto e pronto para ajudar. Como as coisas não estavam acontecendo da maneira que queria, acabei por me fechar. Isso, claro, me prejudicou bastante.”
Aconteceu algo para além do futebol ou estava tudo relacionado mesmo ao futebol?
“Posso dizer que especificamente relacionado ao futebol, porque eu sou um cara que se cobra bastante, principalmente quando as coisas não correm bem dentro de campo. Querendo ou não, isso acabava me afetando, acabava me atrapalhando. Como disse antes, acho que limpar a cabeça foi fundamental para mim. Não posso cometer esses mesmos erros e, se vier a acontecer, agora sei como agir de maneira diferente. Da forma como correu, não quero nunca mais que isso se repita.”
Você chegou a ter problemas com o antigo treinador (Vitor Bruno) e foi punido pelo clube por indisciplina. A grande dúvida que fica é: houve também uma espécie de “autopunição”? Um olhar profundo para dentro, encarar os fatos…
“Foi mesmo o meu pior momento no Porto. As coisas aconteceram de uma forma que eu não imaginava, então acabei agindo muito pela emoção. Sinto muito por tudo aquilo, não deveria ter agido como agi. Me arrependo muito do que fiz. Agora, isso é passado. É olhar para frente, porque acho que isso nunca mais volta a acontecer.”
Como você fez para “limpar a cabeça”?
“Com muito apoio da minha família e dos meus amigos da minha cidade (Foz do Iguaçu-PR). Estive no Brasil antes de começar a nova temporada, então, pude voltar às minhas raízes. Reencontrei o Pepê alegre e brincalhão. Sempre fui assim, na verdade. Foi mesmo fundamental reencontrar a família e os amigos. Foi crucial. Eles sentiram logo que eu não era aquele Pepê de sempre, e isso mexeu comigo. Eles tinham razão. Regressei 100% focado para Portugal.”
O novo treinador (o italiano Francesco Farioli) chegou ao Porto e disse logo nos primeiros dias que encontrou um Pepê com um “sorriso estampado”. Que sorriso é esse? Descreva-o, por favor.
“[Risos] O meu? É o sorriso normal, o sorriso de sempre. Amo jogar futebol, amo estar dentro de campo, amo treinar. Viver tudo isso é incrível, é algo único. É tudo aquilo que sempre sonhei. Tenho que estar sempre com o sorriso no rosto, de orelha a orelha, porque fazer isso é muito importante para mim.”
Quando foi que nós vimos o “prime” do Pepê? O seu melhor…
“Acho que essa é a minha melhor temporada, seguramente o meu melhor início de temporada. Vivi momentos incríveis no Grêmio também, mas prefiro olhar para frente. O que ficou para trás… ficou para trás. Sei que quero fazer a melhor temporada da minha vida. Olhar jogo a jogo, treino a treino. Evoluir sempre, todos os dias.”
Se eu colocasse agora aqui, nesta sala, dez torcedores do Porto, qual seria a reação desses mesmos dez torcedores?
“Acho que os dez me apoiariam, estariam comigo, porque desde que cheguei, e olha que passei por muitas situações, altos e baixos, a torcida sempre me apoiou. Nunca faltou incentivo. Na temporada passada, como falamos antes, passei por um momento muito ruim, mas ainda assim os torcedores me abraçaram. Obviamente, eles sentiram falta do verdadeiro Pepê, daquilo que realmente eu sou. Porém, nunca faltou apoio, incentivo ou confiança. Isso, aliás, também me ajudou na hora de mudar a chave.”
O que você acha que o torcedor do Porto, no âmbito geral, diria hoje sobre você? Olho no olho.
“Que esse é o Pepê que eles conhecem, o Pepê que os habituou a ter alegria. A entrega e a raça definem um “jogador a Porto”. Nunca desistir, dar tudo dentro de campo.”
Você foi extremo pela direita, extremo pela esquerda, número 10 e até lateral: ser polivalente aqui no Porto mais te ajudou ou mais te prejudicou?
“No começo, eu admito que achava estranho, sabe? Porque sempre joguei aberto na esquerda, era a minha posição de origem, mas depois, particularmente, acabou por ser muito bom e muito importante. Consegui entender mais e melhor o jogo, de outras formas e perspectivas. Houve uma evolução na minha leitura de jogo.”
Você é o melhor jogador brasileiro em atividade em Portugal?
“[Risos] Quem?”
Você!
“[Risos] Não, não, acho que não.”
Então preciso te desafiar a escolher um brasileiro…
“Ah, eu prefiro dizer que procuro sempre ser o melhor possível. Preciso ser melhor do que ontem, melhor do que anteontem. É o mais importante.”
A melhor versão do Pepê é para ser jogador de seleção?
“Eu já tive o privilégio de jogar na seleção brasileira. É um sentimento incrível. Sei bem o que é preciso para estar lá, consequentemente sei que preciso estar no meu mais alto nível. Sendo assim, acho que preciso ser ainda melhor para voltar à seleção. Quem sabe um dia, né?”
Houve mesmo a possibilidade de jogar pela seleção do Paraguai?
“Sim, surgiram algumas situações, mas desde pequeno sempre tive o sonho de vestir a camisa da seleção brasileira. A família do lado da minha mãe é do Paraguai, nasci na fronteira, sou de Foz do Iguaçu, no Paraná, então sempre existiu essa forte ligação.”
O William Gomes é o seu Galeno 2.0?
“[Risos] Galeno? Pode ser. O William é um jogador incrível, um menino muito dedicado, que tem uma ambição espetacular. Acho que ele tem muito a evoluir aqui, tem muito a aprender no futebol. Está sempre bem disposto, pronto para aprender e trabalhar. Se a dedicação continuar, quem sabe pode ser um fenômeno no Porto.”
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Você é o melhor espelho para ele? Seguir os seus passos…
“Tento ajudar bastante o William. Espero que ele tenha um percurso muito melhor do que o meu.”
O Gabriel Veron, outro jovem talento brasileiro, passou pelo Porto e não teve o mesmo sucesso. O que faltou?
“Acho que as lesões o atrapalharam muito. Quando estava estável e pronto para ter um bom nível, o Gabriel acabava por sofrer outra lesão. O processo estava sendo em atraso. Tentei ajudar também, claro. Ele era um jogador incrível, que tinha uma força absurda, uma velocidade absurda também. Tinha tudo para ser um jogador de alto nível mundial, mas infelizmente as lesões travaram isso.”
Por que o Everton Cebolinha não teve sucesso no Benfica? Vocês jogaram juntos no Grêmio, foram adversários aqui.
“É complicado falar sobre isso, porque trocar o futebol sul-americano pelo futebol português acaba por ser uma grande mudança. Eu, inclusive, falo bastante sobre isso com o William Gomes. Os primeiros seis meses em Portugal são complicados. É o ritmo de jogo, é a parte tática, entre outros pontos. Tudo isso tem peso. No meu começo aqui, tive o prazer de ter ao meu lado o Luiz Díaz (ex-Liverpool e atualmente no Bayern de Munique), que era o dono da posição. Aprendi muito com ele e tive tempo, isto facilitou bastante no meu processo de adaptação. O Cebolinha chegou ao Benfica e não teve muito tempo para se adaptar. Chegou e logo teve que jogar, o que muitas vezes tem um impacto negativo na progressão.”
Boa parte da sua carreira em Portugal foi com o Sérgio Conceição como treinador. Ele daria certo no Brasil?
“Ele é muito exigente, é um cara que me ajudou muito aqui. Foi o melhor treinador com quem já trabalhei. Me ensinou a ver o futebol de uma maneira totalmente diferente, me ensinou a entender o jogo de uma maneira incrível. É um treinador que ama o esporte, ama o que faz, ama viver essa atmosfera. Ele vive o futebol com muita paixão e intensidade, então, daria muito certo no Brasil.”
No Brasil, por sua vez, você trabalhou muitos anos ao lado do Renato Gaúcho. Há comparação com o Sérgio Conceição? Ambos foram jogadores de sucesso, são treinadores de sucesso.
“O Renato também me ajudou, principalmente nas questões ofensivas, sobretudo na hora de ficar de frente com o gol. Me ensinou sobre a frieza de encarar o goleiro adversário, sobre o que é preciso no último terço. Já o Sérgio me ajudou muito naquilo que é a intensidade do jogo. Como disse lá atrás, ele me fez entender o futebol de outra maneira. Os dois foram benéficos para a minha carreira. Semelhanças? Cobram muito.”
Qual é hoje a sua ligação com o Grêmio? Você foi formado lá, foi campeão lá.
“Acompanho os jogos do Grêmio sempre que possível, isso quando o horário permite. O fuso atrapalha bastante.”
O que você sentiu quando viu a volta do Arthur para o Grêmio? Jogaram juntos, são amigos.
“Estivemos muito tempo juntos nas categorias de base. É incrível ver que ele voltou. A maneira como a torcida abraçou o Arthur mexeu comigo. Também fui criado no clube e, mesmo longe há anos, continuo sendo muito acarinhado pela torcida gremista. Voltar? Penso, sim, em voltar um dia. Regressar e seguir um caminho muito vitorioso.”