Mesmo amplamente antecipada pelo mercado, a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa Selic em 15% ao ano reacende o debate sobre as estratégias de investimento em renda variável. Apesar da atratividade da renda fixa, analistas garantem que o mercado de ações ainda oferece caminhos para buscar ganho de capital.
Para Régis Chinchila, analista da Terra Investimentos, a manutenção da Selic cria desafios para a atratividade da Bolsa ao tornar títulos públicos e crédito privado “muito competitivos em retorno e com baixo risco percebido”. Nesse cenário, o investidor passa a “fazer mais contas para investir em ações, já que os papéis precisam subir pelo menos 15% ao ano para valer a pena ante a renda fixa, diz Thiago Calestine, economista e sócio da Dom Investimentos.
Por outro lado, Raphael Figueredo, o Rafi, estrategista de ações do Research da XP, oferece uma outra perspectiva e observa que, em dólares, a performance da Bolsa brasileira no ano é uma das melhores na comparação com os principais mercados do mundo. Ele sugere que “não necessariamente a renda fixa pode tirar atratividade da Bolsa”, apontando para outros mecanismos importantes, como o câmbio favorável, que podem compensar a pressão dos juros altos.
O que esperar das ações brasileiras?
Agora, o mercado se pergunta se ainda há espaço para valorização das ações, mesmo após o Ibovespa ter atingido sua máxima histórica recentemente. Chinchila projeta a Bolsa andando de lado até o início do ciclo de cortes da Selic, com “episódios de valorização dirigidos por fluxo (entrada de estrangeiros) e notícias específicas — como temporada de resultados, revisões de lucro e mudanças nas expectativas de juros”.
O analista da Terra Investimentos afirma que há espaço para valorização generalizada das ações, mas que esse movimento está condicionado à “redução persistente da inflação doméstica e menor risco fiscal e eleitoral”.
Com a expectativa por um primeiro corte da Selic já em dezembro, Leonardo Santana, especialista em investimentos e sócio da Top Gain, tem um otimismo cauteloso: ele enxerga espaço para valorização, mas convida os investidores a ter “muito cuidado com uma possível realização (de lucros)”.
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A estratégia clássica ainda funciona?
Em um cenário de juros elevados, a recomendação clássica de focar em empresas de setores resilientes, como elétrico, de saneamento e financeiro, e em boas pagadoras de dividendos, ainda se mostra eficiente, segundo os analistas.
Chinchila afirma que “empresas com receita previsível (como companhias de saneamento e elétricas) e grandes bancos com distribuição de dividendos tendem a preservar valor em períodos de aversão ao risco” por entregar fluxo de caixa resiliente, apresentar menor volatilidade e oferecer um retorno por dividendos que pode competir com a renda fixa.
Santana, da Top Gain, reforça que a estratégia é ainda mais indicada para investidores que estão entrando agora na renda variável, com a recomendação de apostar em “setores perenes, e pagadoras de dividendos”. Para ele, ainda é importante montar posições “devagarzinho”, pois, mesmo com possíveis correções acentuadas, o pensamento de longo prazo em empresas sólidas “vai salvar” o portfólio de perdas ao longo do tempo. Setores como o elétrico e o de saúde são exemplos de segmentos perenes indicados por ele para pequenos aportes.
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A estratégia clássica, de focar em empresas com qualidade já comprovada, ainda é válida porque “esses setores menos cíclicos, mais perenes, são os setores em que as operações sofrem menos”, garantindo “boa previsibilidade de pagamento de dividendos e uma boa previsibilidade com relação ao comportamento das margens operacionais”, explica Calestine.
O especialista ainda argumenta que essas companhias, geralmente mais maduras, são “menos alavancadas”, o que as faz sofrer menos com juros altos, já que a despesa financeira é menor.
No entanto, a diversificação ainda se faz necessária, lembra Rafi, da XP. A estratégia mais adequada, segundo ele, é aquela “diversificada para mitigar riscos, que esteja adequada ao perfil de risco de cada investidor”. Ele também aponta que, com a queda da Selic no horizonte, é possível buscar ganhos de capital enquanto os múltiplos das companhias melhoram e o mercado reprecifica os papéis.
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Seletividade e oportunidades em setores cíclicos
Os especialistas concordam em uma máxima para o momento atual: a seletividade ganha o jogo, já que “dentro dos setores, temos sempre um ‘patinho bonito e outro feio’”, ilustra Figueredo. Agora, é importante evitar “companhias com estruturas de capital delicadas, endividadas e com baixa confiabilidade nas entregas dos guidances [as estimativas que as próprias empresas divulgam ao mercado sobre seus resultados futuros]”.
Empresas como Sabesp (SBSP3), Eletrobras (ELET6) e Vivo (VIVT3) estão na lista de recomendações da Terra pelo “perfil defensivo e distribuição de caixa”, enquanto Itaú (ITUB3) Santander (SANB11) são as escolhas no setor financeiro pela alta capacidade de pagamento de dividendos. Leonardo Santana, porém, recomenda distância dos bancos agora: “qualquer novo anúncio [de tarifas] de Donald Trump pode trazer uma boa correção no setor”.
Além dos setores “perenes” já citados pelo especialista da Top Gain, há, ainda, espaço para valorização no varejo e na construção civil. “Ambos já se valorizaram, mas acredito que ainda pode ter um espaço para uma continuação do movimento”, diz Santana, ao alertar que a alocação nas empresas desses segmentos é uma estratégia mais arriscada.
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Turismo e aviação civil ainda são citados por Calestine, da Dom Investimentos, como setores favoráveis aos investidores dispostos a assumir mais riscos em busca de retornos maiores. Ele diz que os segmentos são “extremamente voláteis e cíclicos”, mas ideais para quem quer se posicionar para um ciclo de corte de juros.