Espao
Com informações da Agência Fapesp – 08/08/2025
Instantneos da coliso capturados na simulao computadorizada.
[Imagem: Patrick Franco et al. – 10.1038/s41550-025-02582-y]
Como Mercrio se formou?
A formao do planeta Mercrio ainda um problema no resolvido: O planeta mais prximo do Sol possui um ncleo metlico desproporcionalmente grande, com cerca de 70% de sua massa, e um manto rochoso relativamente pequeno.
A explicao mais aceita at agora era a de que Mercrio teria perdido boa parte de sua crosta e manto aps uma coliso catastrfica com um corpo celeste de grande porte. Mas simulaes dinmicas mostram que esse tipo de impacto, envolvendo corpos de massas muito diferentes, extremamente raro.
Por isso, astrnomos esto propondo uma explicao alternativa, com base em um tipo de evento bem mais comum no incio do Sistema Solar: A coliso entre corpos celestes de massas semelhantes.
“Por meio de simulao, mostramos que a formao de Mercrio no exige colises excepcionais. Um impacto rasante entre dois protoplanetas de massas semelhantes pode explicar sua composio. Este um cenrio muito mais plausvel do ponto de vista estatstico e dinmico,” explica Patrick Franco, do Observatrio Nacional.
Um impacto rasante um tipo de coliso entre corpos celestes que ocorre com um ngulo muito baixo (menos de 20 graus) em relao superfcie do objeto atingido, com um quase raspando o outro, ao invs de uma coliso frontal.
“Nosso trabalho parte da constatao, feita em simulaes anteriores, de que colises entre corpos muito desiguais so eventos extremamente raros. J colises entre objetos de massas semelhantes so mais comuns e o objetivo do estudo foi justamente verificar se essas colises seriam capazes de produzir um planeta com as caractersticas observadas em Mercrio,” acrescentou o pesquisador.
Resumo dos resultados da simulao para a configurao com uma relao ncleo-massa alvo de 0,5.
[Imagem: Patrick Franco et al. – 10.1038/s41550-025-02582-y]
Hidrodinmica de partculas suavizadas
Essa possvel coliso teria ocorrido em uma fase relativamente tardia na formao do Sistema Solar, quando corpos rochosos, de tamanhos semelhantes, disputavam espao nas regies internas, mais prximas do Sol. “Eram objetos em evoluo, dentro de um berrio de embries planetrios, interagindo gravitacionalmente, perturbando as rbitas uns dos outros, e inclusive colidindo, at que restassem apenas as configuraes orbitais bem definidas e estveis que conhecemos hoje,” descreve Patrick.
Para recriar esse cenrio hipottico, os pesquisadores utilizaram um mtodo numrico computacional chamado de “hidrodinmica de partculas suavizadas”, que possibilita simular gases, lquidos e materiais slidos em movimento, especialmente em contextos nos quais ocorrem grandes deformaes, colises ou fragmentaes.
Esse mtodo, amplamente utilizado tanto em cosmologia, astrofsica e dinmica planetria, quanto em engenharia e computao grfica, emprega como recurso matemtico a funo lagrangiana (Joseph Louis Lagrange, 1736-1813), que descreve a evoluo de um sistema considerando como cada ponto ou partcula constituinte se move individualmente no espao ao longo do tempo. Em contraste com o formalismo euleriano (Leonhard Paul Euler, 1707-1783), que observa o que acontece em pontos fixos do espao, a funo lagrangiana segue, por assim dizer, o “ponto de vista” da partcula em movimento.
O modelo resultante consegue explicar com grande preciso por que Mercrio apresenta baixa massa total, apesar de ter um ncleo metlico grande, e por que retm apenas uma fina camada de material rochoso.
“Por meio de simulaes detalhadas em hidrodinmica de partculas suavizadas, verificamos que possvel reproduzir com alta preciso tanto a massa total de Mercrio quanto sua incomum razo entre metal e silicato. A margem de erro do modelo ficou abaixo de 5%,” contou Patrick. “A coliso teria arrancado at 60% do manto original [de Mercrio], o que explicaria sua metalicidade exacerbada.”
A sonda espacial BepiColombro uma misso conjunta europeia e japonesa para estudar a composio, geofsica, atmosfera, magnetosfera e a histria de Mercrio.
[Imagem: ESA/ATG/JAXA]
Onde esto os destroos?
O novo modelo tambm evita uma limitao dos anteriores. “Nesses cenrios, o material arrancado durante a coliso reincorporado pelo prprio planeta. Se assim fosse, Mercrio no exibiria sua atual desproporo entre ncleo e manto. Mas, no modelo que estamos propondo, dependendo das condies iniciais, parte do material arrancado pode ser ejetada e no retornar mais, o que preserva a desproporo entre ncleo e manto,” argumenta Patrick.
Nesse caso, a questo bvia que se coloca saber para onde foi o material ejetado. “Caso o impacto tenha ocorrido em rbitas prximas, uma possibilidade que esse material tenha sido incorporado por outro planeta em formao, talvez Vnus. uma hiptese que ainda precisa ser investigada com mais profundidade,” disse o pesquisador.
Segundo Patrick, o modelo proposto pode ser estendido para investigar a formao de outros planetas rochosos e contribuir para o entendimento dos processos de diferenciao e perda de material nos primrdios do Sistema Solar. As prximas etapas da pesquisa devem incluir comparaes com dados geoqumicos de meteoritos e amostras de misses espaciais, como a sonda espacial BepiColombo, que ir estudar Mercrio a partir do ano que vem.
“Mercrio continua sendo o planeta menos explorado do nosso sistema. Mas isso est mudando. H uma nova gerao de pesquisas e misses em curso, e muita coisa interessante ainda vai surgir,” opinou Patrick.
Bibliografia:
Artigo: Formation of Mercury by a grazing giant collision involving similar-mass bodies
Autores: Patrick Franco, Fernando Roig, Othon C. Winter, Rafael Sfair, Christoph Burger, Christoph M. Schafer
Revista: Nature Astronomy
DOI: 10.1038/s41550-025-02582-y
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